Indígenas não querem tomar Palmeira dos Índios, afirma estudioso

  • Redação
  • 19/04/2012 11:26
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Professor Jorge Vieira
Professor Jorge Vieira

Os indígenas não querem tomar Palmeira dos Índios e já podem comemorar ao menos algumas conquistas. Quem afirma é o professor universitário, jornalista e indigenista, Jorge Vieira, que concedeu entrevista ao Painel Notícias sobre a situação dos índios alagoanos. Na conversa foram abordados temas como a demarcação de terras, drogas, a diminuição no orçamento da FUNAI e a responsabilidade do governo federal com os povos originais da América do Sul.

Jorge Vieira falou sobre o que o indígena alagoano tem para comemorar no seu dia, 19 de abril e criticou a duplicação da BR-101 por dividir o território dos índios ao meio, aumentando um problema já comum na comunidade; as drogas.

Confira na íntegra a entrevista concedida com exclusividade ao Painel Notícias

Painel Notícias - Como começou seu envolvimento com os indígenas?
Jorge Vieira - Quanto eu tinha 18 anos, em 1978, no povo Xocó, que fica próximo ao Rio são Francisco, na divisa de Alagoas com Sergipe, precisamente no dia nove de setembro. Com os índios alagoanos iniciei em 1986 e estou com eles até hoje.

Os indígenas de Alagoas tem o que comemorar no seu dia?
Primeiro, para entender essa questão, é entender o 19 de abril. A data foi um decreto de Getúlio Vargas, em 1946, coincidentemente era aniversário dele, mas tem uma questão maior. Nesse período aconteceu o primeiro congresso latino-americano dos indigenistas.

Getúlio se aproveitou desse momento, populista como era, e fez o decreto comemorativo ao Dia do Índio. Só que, inicialmente, tinha esse sentido de comemoração. A sociedade levou até para o nível do folclore. Entretanto, o sentido apropriado dessa data é muito mais político do que comemorativo.

É uma data que o índio já trabalha com o “Abril Indígena”, onde se luta por seus direitos, sua participação na sociedade, sua cultura. E por isso posso dizer que houve sim, muitos avanços. Por exemplo, os povos indígenas conseguiram conquistar espaço na Constituição de 1988. E se você imaginar que na década de 1960 só existiam 100 mil índios reconhecidos e hoje são 752 mil, podemos considerar que houve um avanço do ponto de vista das conquistas sociais, do reconhecimento da identidade, etc.

Do ponto de vista estrutural, nós temos muitas questões ainda em aberto. A mais crucial principalmente no estado de Alagoas é a questão da demarcação de terras. O índio de Alagoas, dos 11 povos indígenas do estado, ainda não tem seus territórios efetivamente demarcados.

Outros que nem tiveram a formação iniciada do GT, que é o Grupo Técnico que através de uma portaria da FUNAI, que determina o estudo para identificar, delimitar e demarcar a terra indígena. Katokinn, Kaiupanká, Karuazu não tem grupos técnicos formados. Os Kalankó e Geripankó já ganharam os seus e outros tem a portaria, no caso dos Xucuru-Cariri e os Cariri-Xocó. O Wassu (Cocau) está em andamento um estudo para isso.

Do ponto de vista do Xucuru-Cariri, é o grande conflito que tem, porque esse povo indígena tem uma portaria do Ministério da Justiça, ainda no final do governo Lula, mas efetivamente os índios não tem a posse da terra, já declarada terra indígena. Só falta a assinatura da presidente da República, mas os posseiros que lá estão ainda não foram indenizados.

É esse o caso onde se declara que o município de Palmeira dos Índios estaria dentro do território indígena dos Xucuru-Cariri?
O território indígena em Palmeira dos Índios é de 36 mil hectares, só que há uma falta de informação, de clareza, sobre a questão. Os índios não querem tirar a cidade do lugar. Tem que ficar claro. A verdade precisa ser dita para a sociedade, pois muitas vezes há uma manipulação política, interesses escusos diante dessa questão. O que os indígenas querem é que seu território seja demarcado onde não está o município e que o espaço seja compensado em outro pedaço igual de terra.

E a manifestação da quarta-feira (18), quando os indígenas Wassu-Cocau bloquearam uma rodovia?
No caso são outros assuntos. Eles pedem melhorias na questão da saúde e reclamam da questão da duplicação da BR. O problema da saúde é que no governo Lula efetivou-se uma reinvidicação antiga dos povos indígenas e dos indigenistas. Que é a criação de uma secretaria especifica para atender aos índios. Isso o governo Lula concretizou. O problema é a estruturação da secretaria. Porque o que você encontra em Alagoas é uma morosidade muito grande, no processo burocrático, na estruturação. Tem aldeia que tem um posto belíssimo, mas não tem um médico, não tem medicamento.

Então eles pedem a reestruturação dessa secretaria e a questão da duplicação da BR. O impacto que essa obra tem na população indígena que está às margens da rodovia, que é o caso dos Wassu, de Joaquim Gomes, Kalapotó em São Sebastião e Cariri-Xocó em Porto Real do Colégio, é muito grande, nos níveis sociais dos valores, dos costumes, porque muitas árvores serão derrubadas, rios destruídos pela transposição, mas também do ponto de vista econômico e cosmológico.

Uma rodovia dividindo o território indígena ao meio aumentará o fluxo de pessoas e obviamente deixa cada vez mais a população a mercê das drogas, doenças ligadas ao sexo, prostituição, etc. Tem que ter toda uma estruturação para garantir o relocamento dos índios e efetiva-los em um lugar onde possam viver de acordo com seus costumes.

Os indígenas já enfrentam hoje o problema das drogas e da prostituição?
Da prostituição eu não vejo, mas da droga já se percebe em algumas comunidades.

E como a droga chega à mão dessa população indígena?
Você pega uma comunidade como a de Joaquim Gomes. A BR passa no meio da aldeia e com isso se trafega qualquer tipo de pessoa.

Como a FUNAI age com relação ao envolvimento dos indígenas com as drogas?
Do ponto de vista preventivo, é com a FUNAI. Do ponto de vista curativo, é com a área da saúde. Eu desconheço hoje onde se trabalha o tratamento destes indígenas para desintoxicação em Alagoas.

A gerência da FUNAI em Alagoas é do PT. E o governo do Estado, do PSDB. Isso atrapalha a relação entre os poderes, para atender as reinvidicações dos povos indígenas?
Não, eu acho que o problema mesmo é em nível federal. A FUNAI teve seu orçamento diminuído agora, para o exercício 2012, é um problema de gestão no órgão, de capacitação técnica, administrativa. Não podemos transferir a responsabilidade para o Estado. O governo de Alagoas só tem responsabilidade na questão da educação, aí é com ele.

O que os indígenas alagoanos podem esperar pro futuro?
Estamos falando de índio agora, porque eles estão aí, resistiram. Você imagina que são mais de 500 anos de impacto, de exclusão social, de colonização e mesmo assim ele resiste. Então isso já é uma conquista. Estamos falando de um índio real, nordestino, alagoano, que sobreviveu com sua religião, seus costumes, sua tradição.

Então isso prá nós já demonstra que o índio tem vida e continuarão a viver. Eles conquistaram alguns passos em seus direitos, de respeito da sociedade, de ter professores indígenas em algumas áreas, de ter a questão da cultura desenvolvida. Tem perspectiva, mas depende dos órgãos públicos por em prática as reinvidicações desses povos.

Segundo o IBGE, os povos indígenas estão presentes em 80,5% dos municípios do país. Isso é o reconhecimento do brasileiro como índio ou uma questão ligada a pobreza?
São as duas coisas. Hoje já tem um ambiente favorável para que se afirme a identidade étnica, diferente da época da ditadura. Mas tem o lado de que eles foram às cidades porque suas terras foram invadidas. Em São Paulo, há uma comunidade do povo Pankararu, de Pernambuco. Uma favela paulista, onde uma comunidade indígena praticando seus rituais. Em Pariconha, os Katokim moram na periferia do município, estão dentro da cidade. Deslocaram-se.