Onde está o Absoluto?

  • Redação
  • 09/05/2012 08:41
  • Adalberon Júnior
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Disponibilizo aqui um artigo de autoria de Dom Henrique Soares, Arcebispo auxiliar de Aracajú, muito pertinente para os tempos em que vivemos de um Estado "profundamente laico" e que esqueceu de Deus. Recorro a sabedoria deste homem para que aprofundemos nossas experiências com o Absoluto, enquanto caminhamos peregrinos rumo à Ele.

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Recordo uma frase que li há algum tempo: "Temos o direito de criticar, negar, satirizar o profeta Maomé e Alá e Jesus Cristo e Shiva e Buda e Xangô e Jeová e Zeus – e toda a imensa fileira de deuses e deusas que a humanidade criou e criará". - Está aí. Estas palavras debochadas são do jornalista André Petry, da Revista Veja. Nunca as esqueci. Para esse senhor, o direito de zombar da religião dos outros é sagrado. Sagrada é a liberdade de imprensa, sagrada é a democracia, sagrado é o ateísmo. Só Deus não é sagrado!

Não compreende o simplório bem-pensante, que o respeito pela religião dos outros é a atitude inteligente e séria de quem, mesmo sendo ateu, compreende que a existência é um mistério tão profundo que faz com que o descrente, ao menos por sábia modéstia, se pergunte: “E se for verdade que Deus existe?” Como também o crente sério e responsável respeitará os ateus, pois, vez por outra, sente a alfinetada de uma incômoda pergunta: “E se não for verdade?” Pense bem: quem não crê, se for maduro e inteligente, perceberá que a existência é um mistério indevassável, com mais perguntas que respostas e, por isso mesmo, será modesto no seu ateísmo. Quem crê de verdade, tem consciência que o Deus verdadeiro nos ultrapassa, não pode ser manipulado e totalmente explicado: quem compreender o seu Ser? Quem pode esquadrinhar o seu agir? E, por isso mesmo, o crente maduro sabe não possuir todas as respostas nem pode ter o Deus vivo na palma da mão... O crente maduro é modesto na sua fé, ainda que convicto. É exatamente essa sábia modéstia de quem não crê e a atitude de eterno peregrino do Absoluto de quem crê que cria o espaço do respeito mútuo. Em outras palavras: um ateu profundo e sincero sempre será tentado a crer; como o crente profundo e sério sempre será beliscado pela ameaça da descrença. Aqui ambos se encontram, aqui se respeitam e compreendem que por mais que tenham posições diferentes ante o mistério de Deus, estão diante de uma Realidade que ultrapassa a pobre razão humana.

Mas, convenhamos, é esperar demais de alguns simplórios que se metem a falar de Deus, crendo ou não crendo, com eufórica leviandade... Como esperar que toupeiras voem como águias?

Quanto ao absoluto valor da democracia, da liberdade de imprensa e liberdade de expressão, não são valores absolutos não! A liberdade é certamente um valor, mas só Deus é Absoluto! Efetivamente, nenhuma religião deve militar contra o homem ou desconhecer-lhe a dignidade fundamental. Mas, atenção: quando um sistema democrático torna-se ateu militante e inimigo da religião, quando se torna espaço de degeneração de valores, já não mais pode ser considerado um valor. Repito: nada é absoluto fora de Deus! Os crentes só adoramos a Deus; não a democracia, não a liberdade de imprensa, não o neopaganismo iluminista que devora a alma da nossa civilização!

Só para uma ulterior reflexão, fiquem estas palavras de João Paulo II, no seu livro Memória e Identidade: “A ética social católica apoia, por princípio, a solução democrática, porque mais condizente com a natureza racional e social do homem. Mas, longe dela – é bom especificá-lo! – canonizar este sistema. A verdade é que cada uma das três soluções possíveis – a monarquia, a aristocracia e a democracia – pode, em determinadas condições, servir para a realização do objetivo do poder, isto é, do bem comum. Entretanto, pressuposto indispensável de qualquer solução é o respeito das normas éticas fundamentais... Diversas formas de degeneração dos sistemas nomeados já foram classificadas na tradição grega: assim, em caso de degeneração da monarquia, fala-se em tirania; e, para as forma patológicas de democracia, Políbio cunhou o termo ‘oclocracia’, isto é, o domínio da gentalha... A lei estabelecida pelo homem tem limites concretos, que não pode ultrapassar: os limites fincados pela lei natural, com que o próprio Deus tutela os bens fundamentais do homem”.

Tenho bem consciência de que estas letras podem escandalizar alguns. Não é meu intento. Gostaria apenas que fizessem pensar. A verdade é que nem tudo pode ser feito ou dito em nome de uma pretensa liberdade sem limites, que não passa de um egoísmo exacerbado e de uma idolatria do próprio eu, que torna impossível qualquer sadio convívio social! A democracia é ótima e deve ser buscada, construída e defendida, inclusive daqueles que a degeneram por um conceito absurdo de liberdade que, alienada do bom senso, solapa todos os valores.

Escrito por Dom Henrique Soares

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