Viva o dia do trabalho?

  • Edmilson Sá
  • 01/05/2012 10:54
  • Edmilson Sá
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No que o Trabalho nos Transforma?
No que o Trabalho nos Transforma?

"Que valeria um homem, se o bem principale o interesse de sua vida consistissem somente em dormir e comer? Não passaria de um animal. Sem dúvida alguma, aquele que nos criou com tão grande inteligência, que abrange o futuro e o passado, não nos deu tal faculdade e a divina razão para que em nós mofasse por falta de uso."
Willian Shakespeare (Hamlet, Ato IV, Cena IV, 1564-1616)

O TRABALHO é mais que uma simples atividade – exclusiva da humanidade. O homem é um ser consciente e tem atividade livre e universal, diferentemente da atividade animal que é apenas repetitiva e instintiva. É o Trabalho que nos difere de todas as demais criaturas em nosso planeta. É nele que nos completamos, mas também nele, o Trabalho, nos perdemos... Karl Marx afirmava:

"O animal identifica-se com sua atividade vital. Não se distingue dela. Ela é sua atividade. O homem faz da sua atividade vital o próprio objeto da sua vontade e consciência... A atividade vital consciente do homem o distingue imediatamente do animal, da sua atividade vital. Justamente por isso ele (o homem) é um ser pertencente a uma espécie. Ou melhor, ele é um ser consciente... Somente por isso a sua atividade é uma atividade livre... Certamente também os animais produzem. Fabricam ninhos, habitações, como fazem as abelhas, os castores, as formigas, etc. Só que o animal produz unicamente o indispensável para si e para suas crias, produz de modo unilateral, ao passo que o homem produz de modo universal...; o animal reproduz apenas a si mesmo, enquanto o homem reproduz toda a natureza...” (Marx, Manoscritti Economico-Filosofici del 1844, p.78 - 79)

O mesmo sentido desta passagem vamos encontrar em O Capital, obra de maturidade, onde Marx menciona a marca teleológica do homem, a sua ideação, que o torna criador de si; diferindo-o radicalmente do animal:

"Uma aranha executa operações que se assemelham àquelas do tecelão, a abelha envergonha muitos arquitetos com a construção de seus favos de cera. Mas o que distingue, a princípio, o pior arquiteto da melhor abelha é o fato de ele construir o favo na sua cabeça antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que no início já estava presente na ideia do trabalhador, que portanto já estava presente idealmente". (Marx, Il Capitale, Vol I, p. 212).

Marx procura mostrar que o trabalho humano é um ato de pôr consciente, diferentemente da atividade animal que é apenas instintiva. Ou seja, há milhares de anos as abelhas, aranhas, formigas, etc. continuam fazendo o mesmo trabalho, a mesma atividade animal. Ao passo que a ATIVIDADE DO HOMEM o fez mudar completamente o mundo em que vivemos. Uma habitação, por exemplo, na Pré-história era uma caverna, depois passou a construir casas, ou cabanas de palafitas, depois tendas, passando por construções de pedras, barro, palha, madeira, argamassa, concreto, tijolos, cimento armado, pré-moldados, até plástico, fibras, entre outros materiais...

Contudo, ao passo em que o Trabalho Humano transformou e transforma as sociedades, com essas transformações vieram também muitos problemas, como a Estratificação Social, as Lutas e Interesses de Classes, a Alienação, entre outros... O Dia do Trabalho é mais que apenas uma data. Ele significa mais que uma parada... O Dia do Trabalho é o libelo, a apologia máxima das transformações humanas... Mas também podemos dizer que ele nos difere, define e nos escraviza também... O Trabalho também está ligado às tecnologias e por esse prisma podemos entender o que, outrora, os europeus não conseguiam compreender, quando das descobertas das Américas e dos primeiros contatos com os povos que habitavam o Continente. Pois, principalmente aqui, na região do Brasil, os nossos índios não conheciam o Trabalho (e nem precisavam dessa atividade, porque viviam da caça e da coleta), uma vez que ainda estavam na Idade da Pedra Polida – nem o metal lhes era conhecido. Daí, uma das maiores mentiras jamais contadas em nossa história, que índio é preguiçoso... O Etnólogo Pierre Clastres já afirmava que o grande problema (erro) dos encontros entre as civilizações era o fato de, principalmente, quererem explicar sua cultura, sociedade, pelo que lhes faltavam. Isto levou ao extermínio de milhões de pessoas e ainda acontece... Aos índios “faltavam” o ferro, as roupas, a religião, a humanidade, diziam os europeus... Hoje, não ter um tablet, um notebook, um celular de última geração, nos separa dos outros? Só assim eles, nós podemos tentar explicar quem o outro é e quem nós somos?

Ainda, para Marx: A alienação do produto do trabalho conduz à alienação do homem. O ALIENADO É O SER INCONSCIENTE DE SER ELE QUEM PRODUZ AS COISAS; ONDE AS COISAS PRODUZEM AS RELAÇÕES ENTRE OS HOMENS E, POR FIM, PRODUZ A NÓS MESMOS... As relações interpessoais em geral passam a ser mediadas pelas mercadorias e pelo dinheiro, até os próprios proletários adquirem caráter de mercadoria, pelo fato de a sua força de trabalho ser comercializada no mercado. O trabalhador torna-se um ser privado de sua essência humana.

O Sociólogo Polonês Sigmund Bowman – o papa da Sociologia atual – descreve essa nossa sociedade da seguinte maneira: “A BUSCA DA IDENTIDADE POR MEIO DO CONSUMO... PESSOAS LEVADAS A SE DEFINIREM NÃO PELO QUE ELAS SÃO, MAS PELO QUE COMPRAM”.

Chico Buarque, no início dos anos de 1970, em plena ditadura militar, cantou a desumanização humana por causa do trabalho, tão atual ainda:

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
(Construção, Chico Buarque)

“O Trabalhador até quando morre atrapalha”... Pensar no Trabalho hoje em dia é rever as relações de trabalho e suas complicações e isso dificilmente é feito, pois mais e mais mercadorias estão sendo produzidas o que leva ao consumo (e a Alienação - a perda da identidade), mesmo quando não precisamos, somos instigados a comprar e quando não mais podemos consumir, velozmente, entramos em crise. Aparecendo os desempregos em massa, revoltas. Medidas são tomadas, reformuladas. Os governos intervém e, novamente voltamos a produzir em demasia... Sem parar... Um dos desafios agora é pensar no trabalho como algo prazeroso. Senão o próprio homem, nós mesmos, não mais nos reconheceremos... O Homem, segundo Marx, só é “Homem enquanto força de Trabalho”... Então, Viva o Dia do Trabalho?