Os brilhos de Palmeira

  • Tony Medeiros
  • 13/07/2019 14:32
  • Blog do Tony Medeiros

Visitar as ramificações da árvore genealógica em Igaci sempre foi aventura. A gente ia de fusca amarelo desbravando as estradas de barro na zona rural. Painho, mainha, Charles, Michelle, e eu. Sou o irmão do meio. Niélsinei Charles é o primogênito. E Michelle, a caçula. Ambos talentosos e exemplares!!
Naquela época das viagens ao Serrote do Jacuípe éramos crianças. Mi praticamente ainda era uma bebezinha (é que a té hoje não enxergo diferente). No fusca, eu olhava pra trás e via “a poeira cobrir” na estrada. Saíamos no sábado de manhã pra voltar no domingo depois do almoço.
A primeira parada era na casa do tio Edvaldo. Enquanto Leniro, meu pai, conversava com o irmão, a gente brincava. Os primos se juntavam pra dividir os times e bater uma bolinha. Traves feitas com as chinelas e os potenciais futuros craques corriam com os pés descalços na terra batida. Quando era tempo de manga, o futebol perdia de goleada. Era sentar à sombra, na área, sentir o vento assanhar os cabelos e degustar as mangas colhidas na hora, na árvore na porta da casa, ao alcance das mãos.

A viagem continuava. Faltavam alguns poucos quilômetros pra chegar na casa do meu avô João Ferreira da Silva (se bem que meu outro avô também é João), no Serrote do Jacuípe. Seguíamos por dentro do cercado, observados de perto pelo gado.

De dentro do fusca eu via umas plantas altas, formando uma cerca natural ao longo da cerca das estacas e arame farpado. Meu pai explicava que a planta se tratava de Labirinto. Num dos poucos momentos de ousadia, cheguei a pegar numa das folhas. Ela soltava uma espécie de líquido de cor branca, como se fosse leite.

- Não mexa aí. Esse leite pode cegar você!!

Ouvi isso várias vezes.

As cancelas no caminho não impediam a jornada (Sempre que escuto Samarica Parteira, de Luiz Gonzaga, lembro das cenas e as cancelas no Serrote do Jacuípe). O contato das plantas com o assoalho do carro soava como se estivessem molhadas, mesmo nos dias quentes e com sol. Esticava o pescoço e avistava as pedras no caminho. Meio mundo de pedras. Pensava:

- Se o vovô juntasse essas pedras e vendesse ia ganhar um dinheirão.

Ah, a inocência.

A chegada na casa era uma alegria só. Meu pai logo cuidava em colocar o carro embaixo de uma árvore, perto do curral. Sombra!! A gente já descia do fusca pra receber os afagos da tia Odete. Ela e Suely, filha dela, moravam com meu avô. Era difícil encontrar ele em casa durante o dia. Tava sempre na roça. Batalhador, trabalhador.

Das minhas lembranças daquela época, gostava de brincar com os carrinhos usando as pedras como obstáculos. Sempre contornava!! Sentar no batente alto pode até parecer simples demais. Mas era sentir o chão frio, o cheiro da natureza, mesmo parte da natureza sendo o curral.

Medo mesmo tinha dos cachorros. Ficava paralisado sempre que um se aproximava. Meu avô chegava, guardava a enxada, e tratava meu pai como filho. E eu, querendo compreender aquela relação:

- Será que o vovô dá bronca no painho?

Nãããooo...não precisava. Percebia a relação de respeito e carinho entre eles.

Quando o sol começava a se deitar no horizonte, o céu ficava pintado de laranja. Uma luzinha vermelha piscava no alto.

-É Marte.

Dizia minha tia.
Aprendi sobre as Três-Marias, Cruzeiro do Sul. Confesso: Já tentei contar as estrela no céu.

Café “pisado” no pilão. Ralar milho pra fazer cuscuz. Água no pote. Candeeiro aceso. Era a noite naquele pedaço de paraíso. Sem barulho de carros. Som mesmo era dos grilos, dos sapos...da gente conversando a mesa da cozinha depois da janta. Ali a imaginação viajava mais longe que Marte. Da porta da cozinha várias luzes láááááá longe. Mas em terra firme, no horizonte

- É Palmeira dos Índios!

Assim foram meus primeiros contatos com Palmeira. De longe e achando linda. Em geral, quem morava em Igaci resolvia muita coisa ou em Arapiraca ou em Palmeira dos Índios.

Meu pai se dedicava a explicar sobre a presença indígena, sobre Graciliano Ramos. Aliás, o Mestre Graça entrou na minha vida não apenas nas histórias contadas pelo meu pai. Conheci de perto as histórias através de leituras dos clássicos de Graciliano, natural de Quebrangulo (conterrâneo de Gilvandí, minha mãe), mas que teve um marco político na história de Palmeira dos Índios, quando foi prefeito do município e entrou por outra porta da história pela rigidez com que tratava os bens públicos. Rigidez leia-se cuidado com o dinheiro público.

Bebi de Vidas Secas e depois eu mesmo estive contando outras vidas de Palmeira dos Índios. Terra abençoada pelos ancestrais indígenas, pelo Cristo do Goití. Tive tantos encontros com Palmeira, com agricultura, com cultura, com música, com linha férrea, com livros, com a Casa do Graça. Coleciono memórias, algumas doces, outras azedas, que fico ainda mais orgulhoso pela jornada até aqui.

E aqui estou, novamente em Palmeira dos Índios. E meu coração pulula de emoção pelo convite feito pelo Minuto Palmeira e prontamente aceito por este humilde trocador de letras, para mergulhar mais fundo nas conversas do Goití, e buscar calmaria na mística dos ancestrais.

Mas não ficarei restrito aos causos palmeirenses. Pra marcar os gols, a exemplo dos bons times montados pelo CSE, é necessário jogar em vários tipos de tática.

Numa história que começou tão distante com as luzes dos postes e das casas parecendo vaga-lumes, da janela da cozinha da casa de meu avô, e hoje me sinto iluminado por estas luzes cada vez mais potentes.

Não posso encerrar este texto sem citar minha avó materna. Sei que conheci dona Josefa Basílio da Silva. Tem retrato que prova isso. Mas não tenho lembranças desses encontros. Eu ainda era muito pequeno. Pelos mais experientes soube que ela era um doce de mulher. Uma das frutas maravilhosas dessa árvore genealógica.
Ah, sobre a foto? Vou postar nas minhas redes sociais. No face estou Tony Medeiros. No insta sou o @tonynho_medeiros.