Pensar na finitude da própria vida não é uma tarefa que agrade à maioria das pessoas. O comum é ir vivendo e deixar para se preocupar com doenças e intercorrências quando – e se – elas aparecerem. Mas planejar como agir e como gostaria que médicos e familiares agissem em casos extremos pode evitar transtornos e prevenir uma situação que o paciente não gostaria de encarar. Por exemplo: ficar preso em uma cama de hospital depois de uma internação que leve a uma ressuscitação ou a um coma induzido.
Para muitos, parece uma forma prática demais de lidar com a morte. Para Rafael Esteves, professor de Direito e Saúde na pós-graduação da PUC-Rio, o foco é por outro ângulo. “Vejo como encarar a continuidade dos seus planos de vida, a sua autonomia. A pessoa poder dizer ‘Não quero ser um vegetal, um estorvo para minha família’. É algo que vai além da existência biológica”, opina.
Os limites da lei
Rafael explica que, desde a aprovação da Resolução 1995 do Conselho Federal de Medicina, em agosto de 2012, ficou mais fácil o indivíduo maior de idade e consciente determinar junto ao médico quais tratamentos invasivos ou dolorosos podem ou não ser usados em situações-limite durante sua recuperação. Apelidado de “testamento vital”, o registro é formalizado em prontuário e pode ser modificado ou revogado a qualquer momento.
O que não quer dizer que o processo seja tão simples quanto assinar um papel com tudo que tenha sido acordado. “A legislação brasileira, nesse sentido, tem respaldo apenas no artigo quinto da Constituição Federal, que trata, entre outros, da garantia da inviolabilidade do direito à vida. Aí entra um debate que nunca tem conclusão: o que é essa vida a ser protegida? A vida biológica ou a qualidade de vida?”, coloca o advogado.
Na falta de um consenso, normalmente a decisão técnica do médico prevalece sobre a vontade do paciente e de seus familiares. “O ‘problema’ do direito, se é que se pode chamar de problema, é que sempre se pode deparar com uma visão conservadora ou liberal sobre cada assunto. Não há padrão”, diz.
Mas, afinal, o que pode e o que não pode?
Conforme colocado anteriormente, o paciente pode decidir o que quiser sobre a manutenção ou não de sua vida biológica e mudar de ideia em relação a isso a hora que quiser – desde que ainda esteja em pleno exercício de suas faculdades mentais. O que impede a realização de determinadas ações é a responsabilidade do médico, que pode responder por crime contra a vida dependendo do que fizer ou deixar de fazer.
O advogado Rafael Esteves esclarece: “Do ponto de vista legal, o médico estará com problemas se introduzir um suporte de manutenção da existência biológica e depois tirá-lo. Ele pode ser penalizado por isso”. A solução costuma ser, então, não fazer essa introdução, caso seja o desejo mais recente do paciente. “Assim, ele não pode ser culpado por omissão”, diz.
De igual maneira, o médico não é obrigado a fazer uma ressuscitação no paciente – de novo, se essa for a vontade expressa do indivíduo em questão. “Mas, se começar o procedimento, tem que ir até o fim, para respeitar a garantia à vida da legislação brasileira”, reforça.
Toshio Chiba, coordenador do Serviço de Cuidados Paliativos do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), ressalta que o Conselho Federal de Medicina está alinhado com o desdobramento legal de tais atitudes e admite a não introdução de terapêutica, desde que seja oferecido tratamento paliativo para o paciente de qualquer doença – tal como sua equipe faz. E comenta: “Os mais velhos não têm medo da morte, mas do sofrimento que podem sentir na fase final da vida. A medicina deveria tratar isso melhor, embora não faça parte da formação dos médicos no Brasil. Pensar nisso deveria ser uma obrigação do século 21”.