Mães contam o que aprenderam com os filhos autistas

  • IG
  • 02/04/2015 06:58
  • Brasil Mundo

Hoje, dia 02 de abril, é celebrado o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) para alertar sobre os preconceitos que rondam o transtorno e para estimular a disseminação de informações sobre o autismo.

De difícil diagnóstico, o transtorno não se manifesta fisicamente e, dependendo do nível, pode comprometer o desenvolvimento intelectual da criança. Para evitar atrasos, é necessário priorizar intervenções com equipe multidisciplinar, como psicólogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais.

Em uma rotina adaptada para o bem-estar das crianças, as famílias desempenham um papel de extrema importância para os autistas. Os pais acompanham, torcem e celebram as conquistas e os esforços dos filhos. Para homenagear não só os autistas, mas toda a família, convidamos quatro mães para contar o que aprenderam com seus filhos.

Veja, abaixo, o depoimento dessas mulheres que lutam pela quebra do preconceito ainda presente no dia a dia das crianças autistas:

 - Andréa Werner Bonoli, mãe de Theo, 6 anos, e autora do blog "Lagarta Vira Pupa":

"De todos os (milhares) de aprendizados nesta caminhada, destaco dois que me marcaram mais profundamente.

O primeiro é que uma vida com menos 'mimimi' e mais felicidade só depende da gente. A palavra 'problema' tomou, para mim, uma dimensão muito diferente após o diagnóstico do Theo.

Passei por três estágios. No primeiro, percebi que as coisas das quais eu reclamava rotineiramente não têm a menor importância. Depois, passei a acreditar que problema de verdade era o autismo. E, finalmente, percebi que existem desafios muito maiores na vida e pessoas que passam por situações que jamais imaginamos.

Aprender a olhar para as coisas deste ângulo me ajudou a abandonar, rapidamente, o luto pela vida idealizada que perdi e a construir novas metas, novos planos, novos sonhos.

Theo tem quase 7 anos e já morou em três países com três idiomas diferentes. Isso nunca o impediu de progredir, de ir à escola, de aprender. Saímos, passeamos, viajamos.

A dinâmica da vida é diferente, mas não impede que a gente se divirta muito juntos. Ter um filho autista não impede ninguém de ser feliz e, muito menos, de viver. A dificuldade em lidar com a frustração é que faz isso.

O segundo aprendizado diz respeito às diferenças. Quando você começa a lutar pela inserção social do seu filho, pela desconstrução dos preconceitos e pela tolerância percebe que a luta de uma minoria é a luta de todas.

Eu já vinha me conscientizando disso há alguns anos, mas o Theo escancarou os meus olhos para essa situação. A minha geração, assim como as anteriores, cresceu sendo sutilmente (ou nem tanto) educada com machismo, racismo e homofobia.

Se eu peço o fim do preconceito contra o meu filho, como vou ter preconceito com o filho do outro? Se eu digo que 'ser diferente é legal', como vou julgar a diferença do outro? Inclusão social é para todos. Todo mundo quer ser feliz. Todo mundo tem seu lugar. Preconceito é feio, é ultrapassado. Quem reclama do 'politicamente correto' ou que o mundo está ficando chato com certeza não sofre com misoginia, racismo, homofobia, nem muito menos tem uma criança com deficiência em casa".

- Marie Dorión, mãe do Pedro, 12 anos, e do Luís, 10 anos, e autora do blog "Uma Voz para o Autismo"

"Ser mãe é uma experiência única e impossível de descrever, que nos faz aprender mais do que ensinar. Os filhos nos dão inúmeras oportunidades para testarmos nossos limites e assim expandi-los, nos abrem a infinita possibilidade de nos recriarmos a cada dia.

Viver uma vida que sai do normal não é fácil. Os desafios, muitas vezes, parecem tão gigantes que nem sabemos se estamos indo na direção certa. Tantas vezes me peguei pensando se sou mesmo capaz de cuidar de duas vidas tão peculiares, de duas pessoas tão sensíveis que exigem que a maturidade brote de mim, e eles, gigantes e pequenos, complexos em suas existências, com suas presenças em minha vida afirmam que esta é minha missäo e eu hei de ser capaz.

Com meus dois filhos (autistas), aprendi que quando tudo dá errado é porque esse era o 'certo' que tinha que acontecer naquele momento.

Com meus filhos, existe a clareza que cada dia é único, que não volta atrás. Nem os momentos bons voltam, por isso temos que aproveitá-los ao máximo e mergulhar na serenidade que estes momentos proporcionam. E nem os maus momentos e então não há razão para afundarmos a emoção neles, não podemos criar raízes na tristeza.

Aprendo todos os dias o valor de um momento alegre, de uma conexão, do compartilhamento da felicidade, da profundidade de confiar no outro para aliviar as feridas da vida. Também consegui enxergar que todos somos imperfeitas partes de um todo maior e perfeito, o que nos torna perfeitos dentro das nossas limitações".

- Fausta Cristina, mãe de três filhos, entre eles Milena, que é autista; Cris é autora do blog "Mundo da Mi"

"Minha terceira filha veio na hora que nós pensamos que ela viria. E nasceu linda, grande e saudável. Nos primeiros meses, eu percebi que ela se comportava de forma diferente de todas as crianças que conhecia e mais diferente ainda dos meus dois filhos, que vieram antes dela. Quieta demais, olhar vago, não se aninhava em meu colo.

O diagnóstico foi precoce, as intervenções intensas e junto com tudo isso dor, medo, incertezas e a necessidade urgente de me refazer como pessoa. Nada pode te fazer enxergar as tuas próprias limitações até que você seja colocado diante de um desafio. Ter um filho com alguma necessidade especial é definitivamente um grande desafio.

Descobri preconceitos ocultos ao identificar a vergonha inicial em dizer: 'minha filha tem autismo'. Percebi que antes, ao dizer que a opinião do outro não importava, eu mentia para mim mesma. Foi preciso romper com as minhas dificuldades para me tornar capaz de ajudar minha filha a superar as suas.

Eu não sei dizer da dor, pois são 12 anos falando e vivendo o autismo no meu trabalho voluntário, no meu blog, no dia a dia. Então ele se tornou comum, se tornou parceiro.

Se me questionam sobre o autismo, terei ainda mais perguntas para devolver do que respostas para dar, pois, nos vários graus que o autismo pode afetar as pessoas, eu sei que ele pode realmente devastar algumas vidas. Mas sei também que muitas pessoas conseguem extrair o melhor de si mesmas justamente quando estão enfrentando pressões intensas. Na minha vida e na vida da minha família o autismo foi transformador e fez todos nós mais fortes e ainda mais unidos.

Não sou grata ao autismo, mas sou extremamente grata à força que minha filha tem para superar suas dificuldades diárias e constantes e que nos obrigou a trazer à tona a nossa própria força, aquela que nem sabíamos que existia. Ela nos revela o quanto pode e nos impulsiona a darmos, a todo instante, o melhor que temos para dar.

O autismo está aí na sua porta. Você pode não identificar sua presença, justamente porque ele assume, por vezes, identidades comuns, mas se você tiver contato com ele, apenas seja o melhor que pode ser. Seja humano e compreensivo, acolhedor e sincero.

Não julgue o comportamento diferente nem tente normalizar aquilo que é especial e você verá, assim como eu vi, se revelar em você uma pessoa diferente e melhor, muito mais plena na possibilidade de exercitar o amor".

- Andrea Ribeiro, mãe da Nina, estilista e autora do blog "A autista e a estilista"

"Desde quando a Nina nasceu, sempre achei que existia algo diferente no seu desenvolvimento, no jeito de olhar, nos trejeitos. Aos 2 anos, depois de uma longa jornada no campo do desconhecido (nós não tínhamos a minima ideia de que se tratava de uma autista) recebemos o diagnóstico. E foi aí que a minha vida, assim posso dizer, começou de verdade.

Aos poucos, fui jogando fora todo tipo de conhecimento pré-concebido das coisas, da ordem, dos valores, de sentimentos. Comecei a aprender com a Nina o que de fato importa: temos que festejar o dia de hoje, todos os dias, e não o amanhã. Não devemos ter saudades do ontem.

Um autista lida perfeitamente com o tempo atual, mas desconhece o futuro e o passado. Desconhece o valor material da coisas, desconhece a função de um brinquedo ou de um computador, mas se apega e cuida de coisas e de pessoas. Trata bem a natureza e se abraça com flores e árvores. Um autista também colecionam pedras.

Já dei de presente para a Nina um saquinho de pedras, ao invés de um brinquedo que ela nem olhava. É um pensar diferente, fora da caixa, de outro jeito. Vivemos felizes demais assim".