O julgamento de um recurso repetitivo no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que vai definir o futuro dos cadastros de análise de crédito pode gerar uma revés de até R$ 550 milhões para as empresas que comercializam este sistema, segundo apuração feita pelo IG.

Ministros da Corte decidirão, após uma audiência pública marcada para agosto, se os sistemas sigilosos que negam crédito a potenciais maus pagadores geram danos morais ao consumidor. O grupo de empresas envolvidas é formado por Serasa Experian, Boa Vista Serviços e SPC Brasil.

Se STJ entender pelos danos morais, decisão valerá para todos os processos

Calcula-se que cerca de 100 mil ações com pedidos de indenização já tenham chegado à Justiça brasileira contra estes cadastros, depois que juízes e desembargadores, especialmente no Sul do País, começaram a dar ganho de causa aos pedidos. Se o STJ entender a favor dos danos morais, a decisão valerá para todos os processos.

Devido à grande quantidade de processos, o valor médio das indenizações até agora não pode ser definido.

Mas segundo informou o desembargador Paulo Roberto Lessa Franz, da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), a Serasa estimava à Justiça, em agosto de 2013, que as então 19.046 ações contra ela e a Boa Vista no Estado gaúcho gerariam perdas de R$ 105 milhões.

Procurada pelo iG, no entanto, a Serasa afirmou não possuir estimativas sobre o impacto financeiro das indenizações. Mas com base no cálculo oferecido à Justiça, as 19 mil ações, transformadas em 100 mil, levariam o prejuízo a R$ 550 milhões.

Inicialmente, as indenizações aplicadas chegavam a R$ 10 mil por consumidor, como no caso da gaúcha Carla de Deus, que venceu em 2010 o primeiro processo contra o sistema SPC Crediscore, fornecido pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL).

Mas a partir de junho de 2013, o valor dos danos morais foi drasticamente reduzido para menos de R$ 2 mil, uma vez que as empresas condenadas, em maior parte no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, deixaram de vender o serviço a varejistas.

Na explicação do desembargador Lessa Franz, a diminuição do valor ocorreu porque as condenações posteriores, geradas por uma nova avalanche de ações, perderam seu caráter pedagógico (educativo).

“Outro fator determinante foi o julgamento de uma ação coletiva que condenou as empresas, entre outras coisas, a disponibilizar a todos os cidadãos o acesso ao sistema de pontuação, mediante simples requerimento, o que, ao que tudo indica, está sendo cumprido”, completa Franz.

Para o advogado que defendeu consumidores lesados pelo sistema no Rio Grande do Sul, Lisandro Moraes, o motivo para as indenizações menores foi o grande número de processos.

“O Judiciário reduziu o valor para desestimular as pessoas a entrarem com novas ações, com receio de que essa multiplicação inviabilizasse o trabalho dos tribunais”, diz.

Segundo Moraes, o encolhimento nos valores vai reduzir automaticamente o prejuízo das empresas em até 80%. Se os R$ 10 mil iniciais fossem mantidos para as cerca de 100 mil ações, as perdas às empresas poderiam chegar a R$ 1 bilhão. “Além disso, o pagamento [das indenizações] seria diluído nos próximos três ou quatro anos”, diz o advogado.

ENTENDA O CASO

O que pedem os consumidores que entraram na Justiça?

Após o primeiro caso vitorioso de uma consumidora no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), em 2010, milhares de pessoas entraram com pedidos de indenização por terem tido seus pedidos de crédito negados por redes de varejo e bancos. Elas alegam que o caráter secreto dos cadastros que reúnem dados privados e avaliam o risco de inadimplência, conhecidos como score de crédito, gera danos morais. Advogados que defendem os consumidores alegam que o sistema de score viola o Código de Defesa do Consumidor (CDC), e pedem que os critérios da análise de crédito sejam abertos ao questionamento do cliente.

O que defendem as empresas de proteção ao crédito?

O grupo das três principais empresas que comercializam o sistema no País – Serasa Experian, Boa Vista Serviços e SPC Brasil – recebeu o apoio do Banco Central, do Instituto do Desenvolvimento do Varejo (IDV) e da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), que alegam perante o STJ que o sistema não viola a privacidade do consumidor e é necessário para manter a saúde da concessão de crédito no País, de modo a controlar a inadimplência e balizar a calibragem das taxas de juros.

Como a Justiça vai resolver a questão?

Devido ao grande número de pedidos de indenização contra o score de crédito – o BC estima que são 100 mil –, o ministro Paulo Sanseverino, do STJ, decidiu que um recurso que chegou ao tribunal será julgado em caráter repetitivo. Com isto, a sentença será aplicada em todos os outros casos. Antes do julgamento, o ministro convocou para agosto uma audiência pública – a primeira da História do tribunal –, chamando para a discussão os principais órgãos de defesa do consumidor e os representantes das empresas de proteção ao crédito.