Dia 31 de março e o dia 1º de abril, são ambos emblemáticos, pois nos remetem aos acontecimentos de 1964. Uma lembrança dos 50 anos do Golpe Civil-Militar que deu início ao período mais negro da história brasileira. Os maiores veículos de comunicação do Brasil – O Globo, A Veja, Isto É, Época, Rádios e jornais impressos – bombardearam as mídias sociais, os telejornais e impressos com fartas reportagens sobre os 50 anos do Golpe. Lembramos, aos mais desavisados que, muitos desses veículos, para não dizer, a grande maioria desses mesmos jornais e imprensa foram não só a favor do Golpe, mas também colaboradores dele.
Vale salientar que neste período, em Palmeira dos Índios, as notícias políticas estavam mais ligadas ao exterior que aos problemas sociais da cidade ou do Brasil. Isso explica a ausência de críticas na época e em pleno auge das perseguições. Nenhuma ou, quase nenhuma manifestação contra a ditadura pode ser vista nos veículos de comunicação da cidade. Byron Torres em sua coluna “Opinião” de 1968, faz, talvez uma pequena menção sobre tal período, mas é ambíguo quanto a sua opinião:
REVOLUÇÃO SALVADORA
Novamente, sinto-me tentado a falar sobre revolução. É que, de uns tempos para cá, tornou-se o prato do dia. No café, almoço e jantar, só dá revolução. O menu é sempre o mesmo. Quem não aceitar a revolução é considerado superado, anacrônico e reacionário. A revolução, é um verdadeiro milagre, cura todos os males conhecidos e desconhecidos.
...Por curiosidade, abram os livros de história, comecem pelas civilizações antigas, venham subindo, até 1968. Já observaram quantas guerras e revoluções foram feitas? Até guerra de cem anos? Não é mole, não. Resolveram? E o que foi destruído por essas guerras que não têm mais fim, não daria para acabar com a fome de hoje? Mas dizem que ela reconstrói. Reconstruir! Para derrubar o que está feito? Construir mais, isto sim.
Pois bem, meus amigos, não aceito revolução. Quero, sim, resistência, não violência. Gandhi mostrou ao mundo que isto é possível. Esse líder indiano já aprendeu de Jesus. O mandamento que manda amar o próximo é a única solução. Quem ama não explora, não rouba, não mata, não deixa o irmão passar fome, não gasta dinheiro...[1]
Byron Torres não deixa claro que revolução era contra e que resistência era favorável. Esta ambiguidade foi talvez por medo de perseguição? Talvez. O certo é que não dava para passar em branco tais acontecimentos. Mesmo os memorialistas (que frequentemente reescrevem parte da história palmeirense agora, com total liberdade de expressão), não conseguiram perceber ou descrever fato histórico tão marcante na história do Brasil, em Palmeira dos Índios. Ou, como aconteceu com muitos, que preferiram estar numa casa de bonecas, fala de Paulo, um dos revolucionários em O que é isso, Companheiro?[2]
Assim sendo e, para uma breve discussão sobre os 50 anos do Golpe, convidamos o Professor, Mestre em História, José Ronaldo Batista Melo, palmeirense, contemporâneo e militante dos eventos dos anos de chumbo, e que hoje mora em Pão de Açúcar/AL. Que não se escondeu numa CASA DE BONECAS, e gentilmente cedeu, um pouco de seu tempo, para falar um pouco sobre a ditadura militar e suas consequências para a nossa história.
Professor José Ronaldo
O que foi o Golpe de 1964, que instaurou uma ditadura militar no Brasil por 21 anos?
Foi na realidade um golpe Civil-Militar que, alegando impedir que o comunismo se instalasse ou fosse instalado no Brasil, derrubaram o governo constitucional de João Goulart e instalaram uma ditadura militar de inspiração fascista que durou vinte e um anos.
Os Estados Unidos da América contribuíram para o Golpe? O Brasil era uma ameaça, à época, como Cuba?
Não o Brasil não era uma ameaça. O que ocorria era que no Brasil existia um governo democrático que tinha como objetivo realizar no Brasil as denominadas “Reformas de base”. Devia ser para que o Brasil fosse inserido no rol dos países desenvolvidos. O governo dos Estados Unidos eram contrários e as forças reacionárias do país. Juntando-se a forças militares que achavam que o Brasil devia ter a sua política exterior e interna atrelada a política norte americana. Então alegando que o Brasil poderia se tornar uma nova Cuba ou uma China se uniram com as forças reacionárias da sociedade civil e através de uma conspiração altamente articulada derrubaram o governo constitucional do Brasil.
Por que grande parte da população, até hoje, desconhece o período da ditadura militar?
A população desconhece por dois motivos. Primeiro porque o ensino público no Brasil está totalmente sucateado. E os professores das áreas de Ciências Humanas pessimamente formados. Não ensinam e não discutem com os seus alunos o que realmente foi o Golpe-Militar de 1964. E também o pouco interesse do brasileiro pela política. Preferindo as novelas e o futebol.
Com a redemocratização do Brasil, o que mudou e o que não mudou, nas esferas sociais, políticas, econômica, culturais e educacionais?
No meu entendimento a grande mudança foi a conquista da liberdade de expressão. Ninguém ser preso e torturado por pensar. Nas esferas sociais o combate a pobreza através de políticas sociais que estão diminuindo a miséria. Na política devido a falta efetiva da participação popular pouco mudou. Porque o brasileiro em sua grande maioria não vota para mudar. Mas para manter interesses até mesmo familiares e econômicos.
Para as novas gerações e que, segundo o historiador Eric Hobsbawm: “Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais importantes... Por esse mesmo motivo, porém, eles têm de ser mais que simples cronistas, memorialistas e compiladores”. Qual o recado, a mensagem que precisa ser dita, lembrada, para que a ditadura militar e seu negro período, não sejam esquecidos? Uma vez que o Sr. Professor José Ronaldo, foi também perseguido e viu muitos de seus amigos e militantes, sumirem, sem nunca mais voltar. Valeu a pena? E o que fazer para que essa “democracia” atual seja preservada?
Vou responder de forma bem sintética. Os jovens de hoje perderam a vontade, o interesse de ler. O que interessa para eles é o momento presente e não o que passou. Não procuram preservar a memória. E a escola dentro do sistema capitalista de formar profissionais para o mercado não incentiva a leitura para que os jovens não questionem o sistema. E não forme líderes exigindo mudanças nas estruturas do sistema. Hoje o objetivo da escola é formar profissionais submissos e dóceis ao sistema. Para que conhecimento do passado e o sistema ser questionado?
A ditadura militar foi uma dura realidade. E o saldo, ainda não foi contabilizado. Milhares de mortos, desaparecidos. Complôs – haja vista que no início do ano o corpo do Presidente deposto pelo golpe de 1964, João Goulart foi exumado – pois há um espectro que ronda a sua morte, oficialmente foi um ataque cardíaco. Aconselho a quem desejar saber mais, não só sobre a morte de Jango, mas a de Juscelino Kubitschek e de Carlos Lacerda também, a assistirem ao documentário DOSSIÊ JANGO, do diretor . E, ou também acompanhar aos depoimentos da COMISSÃO DA VERDADE. Que mais parece uma piada, já que somente no Brasil, de todas as ditaduras da América do Sul, só no nosso país, os militares, acusados de tortura, violência, crimes e até de morte, depois de até assumirem que cometeram tais crimes, saem do tribunal e vão para suas casas, como se nada tivesse acontecido. Pois a “Lei da Anistia” perdoou todos eles. Não cabendo punições.
DITADURA NUNCA MAIS!!!
Lembrem-se: POVO QUE NÃO APRENDE A SUA HISTÓRIA, PODERÁ, UM DIA, REPETI-LA. Estudemos o nosso passado e Questionemos o Sistema.
[1] TOREES, Byron. Opinião: Revolução Salvadora. Correio do Sertão. Palmeira dos Índios, 07 de abril de 1968 – Nº 29 – Ano I.
[2] O QUE é isso, companheiro? Direção: Bruno Barreto. Brasil: Miramax Films / Riofilmes. 1997. 1 DVD (105 min), widescreen.