(...) Os acontecimentos públicos são parte da textura de nossas vidas. Eles não são apenas marcos em nossas vidas privadas, mas aquilo que formou nossas vidas, tanto privadas como públicas. (Hobsbawm: 2008, 14)


Numa crônica jornalística do início dos anos 60, do século passado, Rubem Cavalcante, do Jornal de Alagoas, fala como um visitante sobre a cidade de Palmeira dos Índios, descrevendo-a da seguinte forma: Nas nossas andanças por Palmeira dos Índios, chegamos à conclusão de que os três homens mais falados da terra são Graciliano Ramos (que não é de lá), Robson Mendes e Tenório Cavalcante (grifo nosso).
Graciliano revolucionou Palmeira, ao tempo em que foi Prefeito, chamando a atenção do Estado e do País para os seus célebres relatórios, embora o seu colega Vice-Prefeito houvesse renunciado, alegando que a Prefeitura, ou melhor, a administração Graciliano Ramos, atenta contra o direito de propriedade... Graciliano não gostava de música, pois, quando Prefeito, dissolveu a Banda... Pontos negativos de um gênio, aos quais alguns se apegam com o objetivo de depreciá-lo e desmerecer-lhe o brilho.
Graciliano Ramos (1892-1953), que, mesmo morto há anos, figurava, ainda, como a mais importante e duradoura personalidade palmeirense. No jornal, nota-se que o autor não deixa de criticar, não a Graciliano escritor, mas ao administrador, que mesmo reconhecido por suas ações, parecia contraditório pelo fato de ser escritor (pensa-se num defensor e promovedor de cultura), mas dissolveu a banda da cidade.
Palmeira dos Índios tem uma história ímpar, não só por sua importância histórico-política, mas, sobretudo pelo legado cultural e principalmente por seu esquecimento também. O historiador Eric Hobsbawm evidencia que os acontecimentos públicos fazem parte de nossas vidas, mesmo quando não o vivenciamos. Assim podemos perceber a importância de trazer alguns fatos que poderão suscitar novas discussões e questionamentos sobre a Palmeira dos Índios de hoje para não incorrermos naquilo a que o próprio Hobsbawm chama de a destruição do passado “ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas”. Para ele: Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais importantes... Por esse mesmo motivo, porém, eles têm de ser mais que simples cronistas, memorialistas e compiladores (Hobsbawm: 2008, 13).
É por esta razão que relembrar o passado não se faz necessário tão somente para lembrar nossa história; mas também ligar, de forma orgânica este passado público com a época em que vivemos. Por exemplo, na segunda metade da década de 1960, Palmeira dos Índios recebeu o título de cidade modelo do Estado. Eram freqüentes as notas nos jornais palmeirenses com a frase: “Visite Palmeira dos Índios – Município Modêlo (sic) de Alagoas” (Correio do Sertão: 1967).
A elite palmeirense, jornalistas, colunistas, políticos, editores e cronistas persistiram em rotular e perpetuar de Cidade Modelo, por décadas, mas poucos atentaram para o título que a cidade recebera, do Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário, ou seja, modelo rural (Correio de Maceió: 1966). Estas características foram corroborando para criar uma identidade em Palmeira dos Índios. Ser Cidade Modelo não era entendido como acaso do destino, mas funcionou como uma necessidade. Pois era também, a terra de Graciliano Ramos. E, é neste contexto de personagens como Mestre Graça, que outros mais contraditórios ainda e de fama dúbia como Robson Mendes e Tenório Cavalcante vão se destacarem em âmbito nacional.
A máxima shakespeariana que diz: o mal que os homens cometem vive para depois de suas mortes; o bem que fizeram quase sempre enterra-se junto com seus ossos (Júlio César, 1564-1616). Pode ser aplicada ao personagem como Robson Mendes que ascendeu logo depois do Setembro Negro episódio em que seu pai fora assassinado na Assembléia Legislativa em Maceió naquele 13 de setembro de 1957. E trouxe mudanças no cenário político-social quando foi eleito indiretamente prefeito de Palmeira dos Índios. Começava aí, um dos capítulos históricos mais violentos da cidade de Palmeira dos Índios, pois como prefeito, Robson Mendes, protagonizou avanços políticos na cidade, como, em conjunto com o Estado, construir o Colégio Estadual Humberto Mendes, de ensino, à época, ginasial, científico e normal. Paralelamente a estes avanços, a política palmeirense ficou marcada pela violência. Brutalidades nunca antes vistas na cidade, como assassinatos e perseguições que foram noticiados na imprensa. Conforme a Gazeta de Alagoas, “Cícero Porqueiro, o capanga de Robson Mendes, tenta matar um servidor do escritório da RFN” (Gazeta de Alagoas: 1960).
O mesmo jornal declara Palmeira como um antro de violência onde se produz selvageria em demasia: ... E como estriagem (sic) para o mal foi escolhido o município de Palmeira dos Índios. Que forma os mais capacitados executores, e onde se armam e se engendram os mais desumanos planos inconcebíveis a um gênio da selvageria.
A sociedade palmeirense vivenciava um contraste, pois, se por um lado, era lembrada pela fama de Graciliano Ramos, por outro, figurava externamente como uma cidade violenta e conhecida por personalidades como Robson Mendes, edil famoso e temido por sair cortando, esquartejando seus inimigos políticos. Teve fim trágico, mas sua fama ainda persiste no imaginário popular.
Já Tenório Cavalcante tinha outras características, pois além de um mito, foi um dos poucos homens da vida pública brasileira que resistiu não só às turbulentas empreitadas dos poderes públicos e de seus inimigos, também, assim como Graciliano Ramos, é lembrado como modelo, a pesar de muitos saberem de seus atos violentos, ainda figura como personagem importante e que, se não lembrado por seus atos, que poucos palmeirenses conhecem, também não é esquecido pelos mesmos.
Enquanto Mestre Graça é lembrado como o Grande Escritor e Robson Mendes o Grande... Seja lá o que for, mas ainda é lembrado e é disso que este texto trata, Tenório Cavalcante é paradoxal, porque figura nos âmbitos da primeira e segunda personagem que relatamos e se enquadra perfeitamente no perfil de cada um deles. Uma vez que, diferentemente de nosso maior escritor e nosso mais cruel prefeito, Tenório Cavalcante permanece no imaginário e em nossa cultura popular como um ser mítico; que ainda não fazemos idéia de quem realmente tenha sido ele. Talvez por morar a maior parte de sua vida fora de Palmeira dos Índios e, diga-se de passagem, não fez obra alguma de renome em nossa cidade, para as gerações posteriores; ele perdura ainda com pompa e louvores. Assim como na obra cinematográfica O Homem da Capa Preta de Sérgio Rezende de 1986, ajudou a aumentar o mito mais ainda, nós palmeirenses também o fazemos, mesmo não ligando para as críticas, pois o que importa parece ser a necessidade de termos e sermos lembrados por personagens, que não raro, nem nasceram na cidade, mas os temos por proeminentes filhos palmeirenses. “A Memória” tem suas exigências e as pessoas só a seguem, nada mais. A presença do novo e do velho é uma constante num contínuo vai-e-vem e quando fazemos e fizermos uma correlação entre as esferas sociais poderemos dissipar boa parte dessa penumbra que encobre a história da cidade.